Chega de "tios" e "tias"nas escolas!

Sempre falo que a nossa vida é uma teia de aranha, um emaranhado de outras vidas, que vivem se cruzando, aproximando e distanciando com o passar do tempo. Se soubermos olhar tudo isso, mais de "fora", podemos aprender sobre muitas coisas. Comecei a fazer isso a algum tempo. Veja... Minha amiga entrou na faculdade de Educação Física. Por intermédio dela, eu conheci alguns professores. Alguns deles ligados a capoeira. Pouco tempo depois, olha eu lá no meio deles, aprendendo, debatendo e discutindo sobre vários assuntos ligados ao tema! Nesse mesmo vai e vem do novelo enrolado e embolado da vida, fiquei amiga de outro capoeirista que sempre me faz pensar... Ferradura. Acabei fazendo vários cursos com ele... Omri Breda, ou Ferradura, como é conhecido pelos capoeiristas, é mestre pela escola de Capoeira Angola do Mestre Marrom/RJ e pedagogo formado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, fez também dança, teatro, circo, artes marciais, musica e trabalha com capoeira infantil a muito tempo. Ele conseguiu desenvolver uma metodologia, que nos ajuda desde o planejamento até o como aplicar o conteúdo das aulas. Fez ate um site, onde todos podem buscar informações: www.capoeiraibce.com Mas uma das partes, dos conteúdos, me chamou atenção. Uma discussão antiga, dessas que me deixavam sem dormir quando ia para a UFMG, nos grupos de estudos anos atrás, sobre a profissão de professor: - "tia" e "tio" sempre foi utilizada para diminuir a importância de nosso papel. Somos professores-educadores-facilitadores, mas não "tios e tias". Na pirâmide do ensino, la em baixos estão os "tios" e "tias" e la no topo os "Mestres" e/ou os Pós Graduados. E pensamos: - Uai, mas esta certo! Que tal uma reflexão? Não é novidade que até os 5 ou 6 anos toda criança, tem que desenvolver o físico (de acordo com fatores genéticos e biológicos), desenvolve o lado social e afetivo. Ou seja, na fase da infância, nós formamos nossa personalidade, nosso caráter. E se essa fase é tão importante, porque não temos um grande "Mestre" e/ou "Pós Graduado" no assunto, cuidando de nós? Cuidando do seu filho ou filha? ... Neh? No meio a essa questão, eu pessoalmente me incomodo com a desvalorização do profissional por ele mesmo. Seria o professor ou professora que se intitula "Tio" ou "Tia", dizendo ser por costume... E parando pra lembrar, a gente escuta isso todos os dias. Para saber mais leia de Paulo Freire, “Professora sim, tia não” - cartas a quem ousa ensinar, Editora Olho d'Água. Segue o link: https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=forums&srcid=MDk3NDcwNjA5OTQyODIzNTAyMjUBMTA2MjgwMTg1NTU5OTQ0NTI3NzYBOFBJaUg0MWpjRUlKATAuMQEBdjI Essa e outras questões estão sempre me "assombrando". Muitas vezes me tiram o sono em busca de uma solução. Mas o que fazer quando é uma questão cultural? Tem jeito de mudar toda uma cultura? E em meio a isso... Por causa de uma mensagem no Whatsapp, tive um "estalo"! Recebi a mensagem de um professor, avisando sobre uma aula de forró, grátis. Me lembrei da conversa de algumas semanas com alguns profissionais, professores de dança a respeito de como nossa arte (de modo geral) é desvalorizada aqui no Brasil. E pior, desvalorizada pelos próprios profissionais. Mandei uma mensagem de volta, fazendo algumas perguntas, por não conhecer pessoalmente a pessoa e realmente tentando conseguir uma opinião que fosse contraria a minha e a de tantos outros professores. Infelizmente, não tive a resposta, ou as respostas, pois por falta de argumento, fui pela primeira vez "bloqueada"! Engraçado como a tecnologia mudou nossos costumes e linguagem, mas a grande verdade continua a mesma. Estamos em 2018 e não conseguimos nos comunicar! As pessoas conseguem "brigar" e não argumentar ou debater em torno de um assunto. Tomam tudo como pessoal e simplesmente ficam cegas. Ou pior, as pessoas se recusam a ler ou se leem não conseguem ter o mínimo de interpretação. Como disse, se você não conhece a outra pessoa, nunca ache que ela tem as mesmas reações que você em relação a qualquer assunto. Nunca torne nenhum debate pessoal. E para dar continuidade, resolvi abrir a pergunta que tanto "incomodou" as pessoas. Perguntei em grupos, inbox e até mesmo nas minhas paginas em redes sociais. Mais ou menos isso: "Pesquisa rápida! Responda por mensagem privada, por favo: 1) Fazer o que o outro faz, de graça, desvaloriza apenas o trabalho do outro? 2) Como você se sentiria se alguém começassem a não cobrar, pelo mesmo trabalho que seu?" Pense num celular que até travou! Outro motivo da demora de escrever esse artigo. Foram 1.832 mensagens, sem falar em algumas pessoas, que até hoje, temos trocando mensagens falando sobre esse e outros assuntos. Recebi as mais diversas e impensáveis respostas. Me peguei pensando: "Caraca! Não posso mesmo, medir os outros, por mim mesma!" Não vou conseguir citar aqui cada um que entrou em contato comigo, mas deu para ter fazer uma "média" nas respostas, que vieram até de outros estados. Reações passionais e de pessoas que não entenderam o contesto, eu descartei. Alice Moreira, como a grande maioria disse que desvaloriza: - "Desvaloriza sim. Até mesmo fazer mais barato desvaloriza a profissão de todos. Perde se o respeito. A mão de obra em geral, já esta muito barata. Eu não me sentiria bem se alguém fizesse isso, mas também não iria diminuir a minha mão de obra." Glauco Bruzzi, um amigo músico, lembra da ETERNA desvalorização da categoria, da falta de consciência sobre quem trabalha nessa área. Ainda na música, Claudisson Souza, apesar de saber da concorrência desleal, acredita que quem tem um bom trabalho tem seu lugar ao sol. Tania Teixeira, fala da "ética e consenso da classe em questão". A pergunta que ela manda de volta é: - "Se é o mesmo trabalho, se as pessoas fazem a mesma coisa, porque umas cobram X e a outra fazem de graça?" Tiago Andrade, uma das pessoas que conversaram comigo dias sobre o tema, acha mesmo que tudo é uma questão cultural e dificilmente vai mudar. Felipe Piazzi, disse que não. Ele não acha que outra pessoa possa desvalorizar seu trabalho uma vez que ele tem suas qualificações. Disse que mudaria de seguimento, caso realmente não houvesse solução. Heron Luiz, também acha que não: - "Cada trabalho tem seu valor e motivação. Não sabemos a motivação, mas se o valor é zero, quem decide esse valor é o seu feitor. Temos que estar preparados para o mercado e a livre concorrência. Focar no diferencial e valorização do nosso trabalho. Isso determinara o custo final que será cobrado". Uma resposta em especifico me chamou a atenção... Dizia que não havia problema nenhum em as pessoas trabalharem de graça, que era até muito necessário no nosso país que tem um povo tão necessitado, mas... Desde que não fosse no mesmo ramo ou desde que não fosse atrapalhar o seu "negocio"... Como as respostas vieram via "internet", algumas pessoas como Eneida L. Dionísio, nem se deram o trabalho de escrever... Bastou um emoji, aquela carinha, toda vermelha e com ar saindo pelo nariz, para eu entender que ela não aprova em nada a ideia de alguém fazer o que ela faz gratuitamente. Outras pessoas realmente se aprofundaram no tema comigo e eu levei as conversas para o lado da arte, onde realmente queria chegar. O que eu realmente queria saber era o que sentiam os professores de dança e de capoeira, dos músicos e de quem trabalha com arte, sobre toda essa desvalorização. No geral percebi as mesmas queixas. No começo, quem trabalha de graça pensa esta ajudando ou divulgando seu trabalho. Mas entram em uma "bola de neve". Quanto mais trabalha de graça, mais trabalho de graça aparece para a mesma. Outra triste realidade é o sentimento de "não ter valor"... Depois de um tempo, as pessoas passam a realmente se sentirem desmotivadas, algumas ficam depressivas a espera de um simples obrigado que nunca vem. O que no começo era um favor, um agrado, se torna uma obrigação e essas pessoas além de não receberem os agradecimentos, passam a ser cada vez mais cobradas a fazer mais e melhor... Quando desistem são duramente criticadas. Antes de terminar, uma resposta para quem realmente acha certo não cobrar pelo trabalho, que outros chamariam de "minha profissão": - "Quem trabalha de graça, desvaloriza o meu trabalho. E é tão difícil que acabo tendo que dar aula de graça também. Estamos tentando virar este jogo, mas demora, pois se você não der as aulas de graça, vem outro, e mesmo SEM QUALIFICAÇÃO, para dar aula e no final ficam todos contra você! Eu já me sinto muito desvalorizado, na verdade há muito tempo. Acontece isso por que você trabalha, estuda as novidades, faz cursos de da dança, pensando em passar o melhor para seu aluno. Muitas vezes ele simplesmente passa pra outras pessoas como se fosse nada e o que era novidade fica comum. Não ha zelo pelo que foi passado com muito trabalho e estudo. O pior é que agora até forró estão tocando de graça nas ruas e praças. E as bandas/trios que realmente trabalham pelo forró? Acabam desestimulados e se afastam ou mudam o foco para outro ritmo onde terão um retorno melhor, ou algum retorno! Bandas, casas, professores... São desvalorizados e não e relação ao "mais barato", estamos falando aqui que eles querem "de graça". Esta difícil resolver porque não dão valor mais para as pessoas e acham que temos a obrigação de doar nosso tempo e trabalho, o tempo todo. Eu estou esgotado, perto de parar. Essa e a verdade! “ Texto enviado por Moacir de Paula, professor de forró desde a década de 90. Poderia estender esse artigo, por mais paginas e paginas... Mas depois de tudo que li, realmente cheguei a conclusão que sim, podemos, mais que isso, devemos mudar nossa cultura quanto ao assunto. Você receber uma aula gratuita, nunca será problema. Mas pergunte ao seu professor, se ele esta recebendo ajuda financeira pelo seu trabalho. O governo, o estado, o município tem dever moral, tem obrigação de subsidiar essas ações sociais. Se você precisa tanto, se você gosta tanto dessa "aula", faça com que seu professor receba, que ele seja valorizado pelo que faz. Assim ele vai ter condição de se dedicar ao que ama, de aprender mais, fazer mais e mais cursos e ser cada dia melhor e você como aluno vai desfrutar de todo esse crescimento. E um bom professor, não era a nossa questão no começo desse artigo? Quem não deseja um bom educador, um mestre e/ou um pós-graduado a frente da sala de aula? Dando aula para os seus filhos? Vamos dar valor a eles, para nos valorizarmos! Chega de "tios" e "tias"! Dê mais valor! Se valorize! Somente juntos poderemos mudar o que a maioria denominou "cultura brasileira". Até breve, Glau Santana